Carta de Alfredo Guimarães para Alfredo Pimenta

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Carta de Alfredo Guimarães para Alfredo Pimenta

Detalhes do registo

Nível de descrição

Documento simples   Documento simples

Código de referência

PT/AMAP/FAM/AALP/01-02-02/001-2877/10-29-17-6-42

Tipo de título

Atribuído

Título

Carta de Alfredo Guimarães para Alfredo Pimenta

Datas de produção

1936-12-14  a  1936-12-14 

Dimensão e suporte

3 f. (28 x 22 cm); papel

Extensões

1 Capilha

Âmbito e conteúdo

A festa de Santa Luzia; os festejos da vitória do Campeonato do Minho pelo Vitória Sport Clube; as eleições autárquicas.

Tradição documental

Tipo técnica de registo

Assinaturas

Alfredo Guimarães

Condições de acesso

Comunicável

Condições de reprodução

A reprodução deverá ser solicitada por escrito através de requerimento dirigido ao responsável da instituição

Aspeto físico

Cota atual

10-29-17-6-42

Idioma e escrita

Escrita

Notas de publicação

Referência bibliográficaPIMENTA, Maria Tereza (2005) - Cartas Inéditas de Alfredo Guimarães a Alfredo Pimenta durante os anos 30 e 40 do século XX. "Gil Vicente: Revista de Cultura e Actualidade". Guimarães: Cidade Berço. IV série n.º5 (2004-2005), p. 43-44

Transcrição

Guimarães - segunda ParisQuerido Amigo Digo acima que Guimarães é a segunda Paris, e tenho razão para tanto. Veja o querido Amigo o que foi, aqui, o dia de hontem. Nasceu a aurora ás seis e meia em ponto... Logo, na cidade e nas aldeias circunvisinhas, foguetria rija, de sete e oito respostas, em honra de Santa Luzia. Missas, durante o dia, até á uma hora - como em Paris, em Notre Dame. Pelas voltas da uma e meia saiu do Toural, uma festa da completa, que foi, através o burgo, desaguar á Madre de Deus, em rifa bem quartilhada. A um tempo dois arraiaes na cidade, pela volta das duas: o arraial das passarinhas, na rua de Francisco Agra, e o arraial desportista, dos que iam para Braga lavar, com os pés, "a honra da cidade ultrajada". Um movimento indescritível em S. Francisco, Toural, Paio Galvão, Santo António, etc. Um vae-vem incessante de carros e caminhetas, para cá, dos lavradores que vinham aos sardões; para lá, dos palermas que iam ao pedibola. Ás quatro, o Hotel do Toural embandeira com as flamulas de todas as nações revolucionarias - Portugal, Espanha, Itália, Brazil, Alemanha, Japão, etc. O que isto significa dir-se-á logo. Passa, ás cinco, a procissão de Santa Luzia, com o nosso bom amigo Jeronimo d'Almeida atrás do palio, de opa branca, luvas brancas, rompendo as nuvens dos seus sonhos popularistas. Mas á passagem da procissão no Toural, a coisa esteve séria. Soube-se n'aquela altura que o grupo desportista de Guimarães tinha ganho, em Braga, o campeonato do Minho e foi então tal o movimento que se fez á entrada da rua de Santo António, que foi preciso reforçar a guarda do andor. Num momento, desportistas e homens de opa vermelha, confundidos, parecia que todos gritavam os seus vivas ao "Victoria". Foi um sarilho. Aqui entra a policia em scena. Christãos para um lado, pagãos para o outro. Pranchada de criar bicho. Um com a cabeça aberta, a caminho da botica, a gritar, intemeratamente: "Viva o Victoria". A procissão refaz-se do susto, e caminha. O Jeronimo vae nervoso, mas faz venias. Depois - coisa inedita - era a procissão na rua de cima, e os manifestantes, aos urros, na rua de baixo. Fogo, sempre, e balonas chinezas de saia em corropio. O Toural tem as janelas todas adamascadas. Um barulho infernal, de gritos, foguetes, repiques e musicas. A procissão passa e desaparece. E eu assisto a tudo isto sentado a uma janela, convalescente de uma gripada e figadeira tremendas, que me tiveram dez dias na cama. Mas ás seis horas dei um pulo, e sai para a rua. Chegavam as caminhetas que vinham de Espanha, onde foram levar os setenta contos dos vimaranenses para as tropas de Franco. A manifestação desportista fundiu na manifestação nacionalista. Foi o diabo! Eu nunca vi tanta gente no Toural. Não se dava um passo, e não se ouvia uma nota de musica. Fizemos uma avançada ás caminhetas de milhares de pessoas, e então foi gritar tanto, tanto, tanto.. que não há ninguém que me perceba uma palavra. E - é claro - já não fui ao banquete nacionalista no Hotel do Toural, embandeirado para isso, como disse, e vim meter-me na cama, novamente doente e outra vez com febre - logar de onde lhe escrevo esta carta pitoresca, sentado e com a maquina em frente. Como vê, um dia assim agitado, só em Paris e (vaidade á parte) em Guimarães. Sirvam estes ultimos agitados dias de desculpa para si e sua Esposa, minha Senhora, dos meus silencios pecadores. Escreverei tam rapidamente quanto possa. O que lhe digo, é que lhe estou grato, do fundo do coração, pela sua carinhosa lembrança da minha pessoa a Salazar. Muito e muito reconhecido. E agora ai vae o pedido de um novo favor: o de mostrar esta carta á sua Menina mais nova, que ai está em casa, para ela lêr e deixar de dizer "que Guimarães é um palheiro". Dias destes, só em Paris e em Guimarães. Como vai o Arquivo? Aqui fala-se que esta camara será em breve substituída por outra, a que presidirá o Zé Couto. Afirma-se que este será nomeado presidente pelo Ministro do Interior, em resultado de uma combinação dos actuais elementos da Camara e a Acção Católica cá do concelho. Este Zé do Couto, que é capitão de cavalaria, foi aquele cidadão que me prendeu em 1930, por quinta-feira de Endoenças. É uma besta sem ideias e com bastante cheiro a cavalariça. Creio que ainda viremos a ter saudades do "Cuécas". Enfim, Deus dirá. Mas a culpa tudo isto tem-na o nosso querido amigo Rocha dos Santos, que diz a toda a gente que não quer ser Presidente da Camara. Não sei se ele diz isto a sério, ou «e terá alguma coisa particularmente combinada com o meu Amigo, e se está a fazer de novas. Mas esse é que era o presidente ideal: para nós, e para toda a gente, com excepção da Acção Católica, dirigida pelo grande amigo... padre João Ribeiro. Mas que gregos e troianos - até os do reviralho - dizem que dos Santos era a única pessoa, aqui, com categoria para presidente da Camara, isso é uma verdade. também há outro que se propõe para a pasta de presidente municipal, mas de feição semi-reviralhista. É um tal dr. Fernando Aires, filho do conservador do registo predial e romancista romantico, dr João Aires de Azevedo. Este é o proposto do nosso João Teixeira Aguiar, com um pé na democracia e o outro no nacionalismo. Sorri-lhe o ordenado mensal. É importante dizer que este menino é sobrinho do sr. dr. Querubim Guimarães. Por ahi é que o moço se deve mexer. Para dar, ao querido amigo uma noção da mentalidade desta criança basta dizer-lhe que se propõe liquidar "essa coisa dos monumentos" e talhar a cidade em grandes avenidas, à americana. Isto ouvi-lho eu! Ora como é bruto, tenho a desconfiança de que se vence arrazará isto tudo. Deus super omnia Era talvez esta a altura de o querido Amigo escrever para Braga ao dr. Alberto Carlos de Magalhães e Meneses, a pedir-lhe para não se esquecer de meter no orçamento da Junta os dois contos do "Boletim". Como sabe, a verba tem de ser marcada no orçamento de 1937, embora tivesse havido, a este respeito, resolução anterior. Adeus. Estou cançadissimo. Os respeitos aos seus. Cm grande abraço de muito dedicado e grato Alf.Guimães